EMBRAER: SUCESSO, GLOBALIZAÇÃO.....E ATAQUE AO TRABALHO
A Embraer é
uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo. Inaugurada em 1969
como empresa estatal estratégica para a indústria da defesa e segurança
nacional, símbolo do regime militar instaurado em 1964, a companhia
expandiu suas atividades no segmento da aeronáutica e se tornou umas das
principais empresas deste seletíssimo setor. No entanto, este voo não
trafegou apenas por céus de brigadeiro.
A Embraer passou por diversas
reestruturações, financeiras e produtivas, que trouxeram crescimento de
produtividade, ainda que sob crescente insatisfação, principalmente dos
empregados da produção.
Paradoxalmente, o quadragésimo
quinto aniversário da empresa — o ano de 2014 — ficará marcado pela
maior greve [1] realizada pelos trabalhadores da Embraer no período
pós-privatização (1994). Foram cinco dias de portões fechados: em 9 de
outubro e 5 a 8 novembro, com adesão de 10 mil empregados.
Em setembro, a mobilização já havia
ocorrido na planta da avenida Faria Lima, em São José dos Campos (SP) e
ocasionado atraso na produção. Em outubro, os trabalhadores cruzaram os
braços por não concordarem com a proposta de reajuste salarial de 6,6%, o
que representava um aumento real de 0,24%. Em novembro, a reivindicação
dos trabalhadores foi contra a nova proposta de reajuste de 7,4%,
enquanto empresas da região como Armco, Ericsson, Chuman, TI Automotive,
Blue Tech, entre outras, acordaram reajustes que variaram entre 9% e
10%, à exceção da Panasonic, que acordou o reajuste de 8,5%.
“Um insulto aos trabalhadores da Embraer.
Apenas até setembro de 2014, a empresa registrou lucro de R$ 554
milhões, o triplo do registrado no mesmo período do ano anterior”,
ressalta Herbert Claros, mecânico ajustador da Embraer há nove anos e
vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos.
Para se ter uma ideia, pessoas que produzem aviões, supostamente uma
“elite” da classe trabalhadora, têm o piso do salário fixado em R$
1.336,00 (2015). A mão-de-obra representa 8% do total dos custos da
empresa. A empresa paga três vezes menos aos seus empregados
operacionais do que as suas principais concorrentes. Enquanto o
salário-hora médio da produção da Boeing é de U$ 26,20, o da Airbus U$
25,10 e o da Bombardier é de U$ 20,50, o da Embraer é de U$ 7,51 ou R$
4.961 por mês (2015).
Em 2014, a empresa dividiu a título de
PLR (Participação nos Lucros e Resultados) R$ 16 milhões entre oito
diretores (dois milhões pra cada). Enquanto isso, 17 mil trabalhadores
dividiram R$ 35 milhões (R$ 912 + 12,4% sobre o salário). A diferença é
tão brutal que é impossível não causar indignação. Sem contar que o
assédio moral é uma política institucional da Embraer, que age com
ameaças, perseguição e não respeita o direito de organização dos
trabalhadores.
O vice-presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São José dos Campos Herbert Claros, também militante do
PSTU, escolheu trabalhar na Embraer com o objetivo de revitalizar o
movimento sindical após a privatização da empresa [2]. Entre 1989 e 94,
7.354 funcionários foram demitidos, dentre eles todos os membros da
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e diretores sindicais.
No dia 15 de abril de 2015, Herbert tomou posse no Conselho de
Administração da Embraer, eleito com 4.070 votos.
Ações mais valiosas
A Embraer conta com mais de 19 mil
empregados espalhados pelos quatro grandes continentes. Já produziu mais
de cinco mil aeronaves, é a terceira maior fabricante de jatos
comerciais do mundo e suas ações estão frequentemente entre as melhor
avaliadas no mercado financeiro. Trata-se de uma empresa global
cuja definição envolve todas as características da empresa moderna da
fase monopolista do capital: produção técnica com forte capacidade
rentável sobre o trabalho, divisão administrativa em diversos níveis com
efeitos na estrutura ocupacional, departamento mercadológico com
capacidade de induzir a demanda, comando financeiro do processo e das
decisões empresariais,além da gestão planejada com efeito de coordenação
social.
A diferença entre elas é o aumento da
complexidade destas unidades, muito mais articuladas e sensíveis ao
mercado e à competitividade global. A empresa global de hoje refere-se à
moderna corporação de alto valor agregado que atua em uma teia
empresarial global diversa, heterogênea e flexível, dirigida por
executivos profissionais que acima de tudo solucionam problemas de
interesse dos acionistas.
As duas grandes reestruturações da
Embraer ocorreram em 2006 e 2009. A primeira deu-se no âmbito
financeiro, visando à valorização produtiva e acionária: a empresa
pulverizou o capital e alterou seu nome – de Embraer – Empresa
Brasileira de Aeronáutica S.A. – para Embraer S.A.. Nesse ano, todas as
ações passaram a ser ordinárias e, portanto, sem a figura do acionista
controlador. A pulverização de capital diminuiu o custo de financiamento
e aumentou a liquidez, somando-se novas tecnologias de ponta que
intensificaram o trabalho.
A maior comprovação deste argumento veio
em seguida, com a segunda grande reestruturação – agora, no âmbito
produtivo. Sob a justificativa da crise global de 2008-09, a Embraer
demitiu mais de 4 mil trabalhadores em fevereiro de 2009. As perdas da
empresa referem-se a especulações no mercado financeiro e não a
produtividade. Neste mesmo ano (2009), bateu recorde de produção, com
244 aeronaves entregues; e em 2010 produziu ainda mais, 281 (ver gráfico
G.02, abaixo). Apenas com a introdução de novas tecnologias e com a
intensificação do trabalho é possível a uma organização dar tais saltos
de produtividade
Não obstante, alguns empregados foram
readmitidos pela Embraer em 2011, com salários inferiores aos praticados
anteriormente. Empregados com salários de R$ 3.620 em 2009 foram
contratados por R$ 1.504, ou até mesmo por R$ 960, como relata um
funcionário que anteriormente recebia R$ 3.200, fato constatado por
Lívia de Cássia G. Moraes (2013), em sua brilhante tese sobre as
reestruturações e a intensificação do trabalho na Embraer.
As reestruturações estão relacionadas
diretamente com o processo de privatização da Embraer e com a adoção do
modelo de gestão neoliberal voltado para garantir tanto o retorno do
investimento aos acionistas quanto o posicionamento competitivo global.
As demissões foram o resultado “natural” deste paradigma e significam
profunda crise social. Toda a região é diretamente afetada (ver gráfico
G.01, abaixo). Cada emprego perdido tem impacto multiplicador em termos
sociais e econômicos, além da desestruturação da vida de cada indivíduo
atingido. No momento em que a carreira como “estrada da vida” é
interrompida, as consequências pessoais e sociais são graves, porque
produzem a sensação de se estar à deriva, uma vez que o fracasso, a
perda da autoestima são fatores que contribuem para a corrosão do
caráter social.
Depois da privatização
Acreditar que a Embraer prosperou após a
privatização significa desconhecer sua história. O primeiro jato
bimotor, o avião de maior sucesso da história da empresa, foi o ERJ-145
(com capacidade para 50 passageiros). Em seguida, vieram sua “família”,
os ERJ 135/145 (de 35 a 45 lugares), todos desenvolvidos pelos
engenheiros da Embraer em 1989, quando a empresa ainda era estatal e com
aexpertise adquirida nesse período. Esses produtos foram os
responsáveis diretos pelo sucesso da empresa pós-privatização.
A Embraer foi entregue ao mercado em 1994
com praticamente todas as suas dívidas quitadas. Da dívida de 1,05
bilhões, o governou saneou U$ 700 milhões e vendeu a empresa por um
valor aproximado de U$ 110 milhões. O Estado absorveu assim dívida que
equivalia a sete vezes o tamanho da empresa. O valor da venda da empresa
em 1994 representa apenas 1,8% do seu valor atual – de aproximadamente
U$ 6 bilhões.
Após a reestruturação financeira em 2006,
as ações da empresa desabaram: da maior alta desde a privatização, com o
valor das ações (EMBR3) a U$ 24,00 em 30/04/2007, à sua maior baixa, em
27 de fevereiro de 2009, com valor das ações a U$ 6,59. Em dois anos,
as ações perderam 72,54% de seu valor. No entanto, um mês após as
demissões, as ações da empresa voltaram a subir e mantiveram uma
tendência de alta (ver gráfico 03). Após a pulverização do capital, em
2006, o grupo Bozano e a PREVI (10%) venderam parte das suas ações da
Embraer e o grupo norte-americano Oppenheimer se tornou o maior
acionista, com 10% das ações, seguido da PREVI, agora com 7% (Embraer
2006; 2014).
É interessante notar os movimentos
induzidos pelo mercado. No mesmo ano em que a Embraer retira do seu nome
a palavra “Brasileira”, o fundo norte-americano Oppenheimer Funds, com
sede em Nova York, torna-se o maior acionista da empresa. Apenas um
cínico acreditaria na independência administrativa da Embraer ou de
qualquer outra organização que se deixa levar pelos anseios do mercado.
Não são os sócios brasileiros os que mais lucram com a Embraer, muito
menos os seus trabalhadores. São os fundos de investimentos
internacionais os que mais lucram.
Estes nunca enxergarão os trabalhadores
de nenhuma empresa como pessoas, pois só os consideram como “recursos
humanos”. Uma empresa subsidiada pelo povo brasileiro por toda a sua
história, seja no período estatal ou privado – via subsídios, aportes,
compras, dentre outros incentivos do governo federal, resume seus
objetivos, hoje, em beneficiar uma pequena elite representada pelos
fundos de investimentos nacionais e internacionais. Clara transferência
de renda dos trabalhadores para os proprietários.
Uma ressalva importante refere-se aos
resultados de 2008 (redução de 34,7% do lucro líquido – R$ 228 milhões) e
às operações financeiras com derivativos. No balanço apresentado pela
empresa, segundo o relatório de março de 2009, constam variações
monetárias e cambiais líquidas com perdas de R$ 188,30 milhões de reais.
No relatório de março de 2010, a perda foi de R$ 135,824 milhões
(corrigida pelo relatório de março de 2011). Somando os dois anos, temos
um total de R$ 324,654 milhões gastos com operações no mercado
financeiro de alto risco. Em dez anos (2001-2010), a empresa registrou
perdas médias de 194 milhões ao mês, totalizando quase R$ 2 bilhões de
prejuízo (R$ 1,942 bilhões) em operações financeiras com derivativos –
motivo este apresentado pelo Sindicato dos Trabalhadores como
responsável direto pela demissão de mais de 4 mil empregados em 2009.
Em suma, a Embraer transformou milhões de
trabalho produtivo, realizados por milhares de trabalhadores, em
capital fictício – e por fim os destruiu.
Greves e sindicato
Após a privatização, foram raras as
greves na Embraer. Houve uma paralisação de 2 horas em outubro de 1999 e
no mês seguinte paralisação de 30 minutos, ambas por aumento salarial e
redução da jornada para 36 horas semanais. Também em 2000, a linha de
produção parou por 24 horas pelos mesmos motivos. Apenas em 22 de
setembro de 2011 ocorreu a primeira paralisação de 24 horas no período
pós-privatização. Primeira greve realizada na Embraer em 11 anos, este
foi o sinal mais evidente da manifestação do conflito que se estabeleceu
nos “corações e mentes” dos trabalhadores da empresa. Em 2013, também
ocorreu outra greve, mas foi o ano de 2014 o mais conturbado sob o
aspecto das relações de trabalho entre a Ermbraer e os seus empregados:
foram cinco dias de paralisações, sendo quatro contínuos, um total de
120 horas, a maior greve pós-privatização realizada pelos trabalhadores
da organização.
Quem representa os trabalhadores da
matriz da Embraer é o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e
Região (SMSJC), ligado à CSP-CONLUTAS (Central Sindical e Popular –
Coordenação Nacional de Lutas). A Conlutas surgiu em março de 2004, a
partir de algumas correntes que, até então, integravam a CUT (Central
Única dos Trabalhadores). O movimento por uma Tendência Socialista (MTS)
está ligado ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e
algumas correntes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), entre elas o
Movimento de Esquerda Socialista (MES), o Movimento de Ação Sindical
(MAS) e o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL).
Durante a greve de 6 de novembro de 2014,
Antônio Ferreira de Barros, o Macapá, presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São José dos Campos, ressaltou a importância do trabalho
do Sindicato na reconstrução da luta pela valorização do trabalhador na
Embraer:
“Após a privatização os trabalhadores da
empresa, que possuem uma importante história de resistência na repressão
dos anos oitenta, sofreram um duro golpe. Depois das demissões, poucos
foram os sindicalizados que permaneceram na empresa. As conquistas dos
trabalhadores da Embraer são, em sua maioria, do período estatal. Desde
então lutamos para mantê-las. Vejam o que estão tentando fazer com o
nosso plano de saúde, resquício das lutas dos anos 1980 que os patrões
tentam retirar. Esta greve demonstra a vontade de todos. Mesmo sob o
olhar da chefia, a indignação superou o medo”.
O renascimento da luta, fruto da
consciência do trabalhador, é fomentado pela arrogância e desprezo aos
trabalhadores, principalmente os da produção. A terceira maior produtora
de aviões do mundo, nascida há 46 anos no país de Santos Dumont,
deveria dar exemplo na gestão das pessoas. Contudo, a maior greve
pós-privatização simbolizou o dilema dos trabalhadores: o que deveria
ser um privilégio, um sentido de vida e de pertencimento dos mais nobres
do mercado de trabalho nacional, não se sustenta porque a Embraer, seja
na fase estatal ou privada, jamais valorizou seus trabalhadores –
responsáveis diretos pela produção das riquezas da empresa.
Qual o interesse de um país em sediar uma
organização como a Embraer? Apenas pela arrecadação de impostos? A
remuneração dos trabalhadores é pífia, o trabalho é realizado sob muita
pressão e o emprego, instável. Os principais acionistas, aqueles que
lucram com a empresa, são fundos bilionários internacionais e nacionais
que só contribuem com a concentração de renda, global e nacional.
A Embraer não se configura como
organização interessante para o país nem mesmo por sua possível
relevância no contexto militar. Além de tudo, a reestruturação produtiva
levou a empresa a realizar parcerias estratégicas de alto risco com
redes de fornecedores globais – o que inviabiliza qualquer ilusão quanto
a seus possíveis segredos militares.
fonte/Carta Capital
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