COMPANHIAS AÉREAS QUEREM OFERECER REFEIÇÕES MELHORES
Um dos mais congestionados aeroportos do mundo, o Hartsfield-Jackson, em Atlanta, está a somente 312 metros acima do nível do mar. O que, ao que parece, é perfeito para as papilas gustativas. Em altitudes baixas, as cerca de 10 mil papilas gustativas da boca humana trabalham como manda a natureza.
E com o auxílio do nariz – o sentido do olfato tem um grande papel no que se refere ao paladar –, o conhecido quarteto do doce, amargo, azedo e salgado se manifesta como de costume. O suco de tomate tem gosto de suco de tomate, o peru à Fiorentina tem sabor de peru à Fiorentina.
Porém, a bordo de uma aeronave moderna, o paladar se perde. E isso não apenas porque a comida servida em aviões não é apetitosa, embora isso também não ajude. Não, o grande problema é a biologia – um obstáculo que as empresas aéreas agora querem superar, de olho nos lucrativos passageiros executivos e de primeira classe.
Mesmo antes da decolagem, a atmosfera dentro da cabine deixa o nariz ressecado. Quando a aeronave sobe, a mudança na pressão do ar entorpece um terço das papilas gustativas. Em altitude de cruzeiro, a aproximadamente 11 mil metros de altura, o nível de umidade na cabine é mantido baixo de propósito, para reduzir o risco de corrosão da fuselagem. Logo, o nariz perde a sensibilidade. As papilas gustativas desaparecem em combate. Uma secura na boca se instala.
Tudo isso ajuda a explicar por que, por exemplo, uma grande quantidade de suco de tomate é consumida nos aviões: ele tem um gosto muito menos ácido em um voo do que no solo. Também ajuda a explicar por que as companhias aéreas tendem a salgar e temperar bastante os alimentos e servir vinhos que são verdadeiras bombas de frutas. Sem todo esse toque especial, o alimento não teria graça.
– A sutileza não combina com a altitude – diz Andrea Robinson, sommelier que seleciona vinhos para a Delta Air Lines desde 2008.
Mas, depois de anos apertando os cintos, os executivos de companhias aéreas estão investindo novamente em atrair os passageiros executivos dispostos a pagar mais caro pelas passagens, e a comida é uma grande parte dessa iniciativa. Isso significa imaginar novos cardápios e até mesmo contratar chefs badalados, como Gordon Ramsay, famoso pelo programa Hell's Kitchen, como consultores.
O motivo é óbvio: a classe executiva e a primeira classe representam um terço dos assentos do avião, mas geram a maior parte da receita. Conservar esses usuários é fundamental para os lucros obtidos pelas companhias.
Segurança impõe desafios
Quando toda a comida está a bordo, as empresas enfrentam outro obstáculo: os aviões não têm cozinhas completas. Por questões de segurança, grelhas e fornos não são permitidos em uma aeronave comercial. Os comissários de bordo não podem tocar a comida como um chef de restaurante ao preparar um prato.
O espaço é minúsculo e o tempo, curto, de modo que é difícil ser criativo na apresentação. Os comissários então têm de lidar com fornos de convecção que sopram um ar quente e seco sobre o alimento. Já aviões mais recentes têm fornos a vapor, que são melhores porque ajudam a manter o alimento úmido.
De qualquer maneira, as refeições podem apenas ser reaquecidas, e não cozidas, a bordo.
– Fazer com qualquer alimento seja gostoso em um avião é uma meta difícil de alcançar – diz Steve Gundrum, que dirige uma empresa que desenvolve novos produtos para o setor alimentar.
Algumas das empresas aéreas da Europa e da Ásia estão elevando o investimento nesse serviço. O cardápio da Air France, por exemplo, inclui lagosta à la Basca e uma massa com toque de açafrão e capim-limão. Os pratos foram criados pelo chef Joël Robuchon, que já colecionou 27 estrelas do guia Michelin em sua carreira. A lista de chefs da companhia aérea também inclui Guy Martin, chef no Le Grand Vefour, e Jacques Le Divellec, que administra um restaurante que leva seu nome em Paris.
Investimento americano
No ano passado, a Delta contratou Michael Chiarello, ex-competidor dos programas Top Chef Masters e The Next Iron Chef, para elaborar novos cardápios para os passageiros da classe executiva que voam entre as costas leste e oeste dos Estados Unidos _de Nova York para Los Angeles e de Nova York para São Francisco.
Não é a primeira vez que a Delta trabalha com um chef renomado. Desde 2006, a empresa serve refeições criadas por Michelle Bernstein, de Miami, para seus passageiros da classe executiva em voos internacionais.
– Nossos chefs são como pintores de quadros. Eles podem ser muito criativos. Mas precisamos traduzir essa pintura em números – diz Wilander.
Esse processo começou em maio passado, quando Chiarello se reuniu com executivos e chefs do bufê da Delta em uma cozinha industrial perto do aeroporto de San Francisco para demonstrar algumas das suas receitas. Entre as dezenas de pratos que ele experimentou, estavam uma alcachofra e patê de feijão branco, costelinha com polenta, lasanha e um pouco de berinjela e queijo de cabra.
Aglomerados em torno dele, os chefs de touca branca da Delta e seus parceiros do serviço de bufê pesaram cada ingrediente em uma pequena balança eletrônica, tomaram notas detalhadas, tiraram fotos e tentaram calcular quanto custaria recriar cada prato mil vezes por dia.
Chiarello levou seis meses para elaborar o novo cardápio. Testou receitas, selecionou ingredientes, considerou as texturas e cores dos alimentos e buscou maneiras de apresentar seus pratos na pequena bandeja de avião. Então, os chefs corporativos da Delta tiveram que aprender a sua maneira de cozinhar e servir.
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