A PARTICIPAÇÃO DAS ENFERMEIRAS BRASILEIRAS NO TRANSPORTE AÉREO DE FERIDOS NA SEGUNDA GUERRA


As Enfermeiras voluntárias e toda a tropa brasileira enviada ao Teatro de Operações na Itália, foram obrigadas a deter abruptamente uma   concentração  de todos os  tipos de  capital: econômico, político, militar, cultural,  científico e  tecnológico, fundamento de uma dominação simbólica sem precedente.

Especificamente  em  relação às  agentes dessa  pesquisa, os  fatos  demonstraram  que, por imposição norte-americana essas brasileiras foram selecionadas e preparadas para enfrentar uma guerra num país distante, desconhecido para a maioria delas, sendo obrigadas a absorver além de outras culturas, diferentes da sua, novas tecnologias para desenvolver seu trabalho profissional de Enfermagem, compondo uma equipe norte-americana e tendo que desempenhar papéis independentes e perigosos que deveriam envolver o fazer médico como as Enfermeiras do Transporte Aéreo, objeto do nosso estudo.

Para o transporte dos feridos, foi criado um Serviço de Transporte Aéreo, composto por seis enfermeiras. Uma delas, depoente deste estudo cedeu a foto.

Podemos visualizar através da fotografia que na 2a. Guerra Mundial a enfermeira teve a concessão de atuar no vôo cuja principal função era prestar assistência de Enfermagem aos feridos de Guerra, acompanhando-os no transporte em casos de evacuação. Os aviões eram de carga, convertidos em ambulâncias com padiolas nas laterais. Tais procedimentos foram fundamentais para a sobrevivência dos soldados feridos na Guerra.

O texto fotográfico tem por cenário o interior de uma aeronave. Trata-se de uma pose coletiva na qual estão presentes dez pessoas, sendo duas mulheres e oito homens. Sete participantes estão deitados em padiolas apropriadas e organizadas horizontalmente, superpostas, com espaços fixos entre as mesmas.

A figura central da foto é a Enfermeira Lenalda Campos, nascida em 9 de março de 1922, na cidade de Capela, Sergipe. Filha do juiz de direito Adroaldo Campos completou os estudos em Aracajú, fazendo nesta cidade o curso de Voluntária Socorrista na Cruz Vermelha.   
Apresentou-se como voluntária para a FEB, fazendo o curso do Exército na Bahia. Em Natal, na base aérea de Parnamirim fez o Curso de especialização de Enfermagem em Transporte Aéreo, atuando nesta função como tenente enfermeira. Casou-se após a guerra, acrescentando o sobrenome Duboc.

Na foto, esta Enfermeira se encontra agachada, postura convencional para o momento, segurando o braço de um doente, estando aparente um relógio em seu pulso esquerdo. Usa uma braçadeira com o símbolo da Cruz Vermelha e uniforme idealizado para o serviço de transporte aéreo.

Ao fundo da composição, observa-se de pé outra Enfermeira a tenente Semírames de Queiroz Montenegro. Nascida no Estado do Amazonas em 24 de abril de 1916, mudando-se com a família para o Rio de Janeiro, concluindo nesta cidade seus estudos, fazendo o curso de Voluntária Socorrista na Cruz Vermelha Brasileira. Foi designada para fazer o curso de especialização em Transporte Aéreo, na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, na base aérea de Parnamirim, atuando como Enfermeira deste transporte na guerra.

Ela está usando o mesmo uniforme de vôo, com o braço direito apoiado na padiola de outro paciente, com a cabeça fletida demonstrando atenção. Ao lado desta Enfermeira encontra-se um homem jovem fardado. O piso da aeronave é de retângulos.

Para apresentar os desafios enfrentados pelas Enfermeiras no transporte aéreo, durante a 2ª Guerra Mundial recortamos os seguintes depoimentos:

(...) (elas, as enfermeiras) foram treinadas em Natal, no Rio Grande do Norte, na base de Parnamirim (...) ficaram baseadas em Nápoles na Itália e no Brasil em Natal (...) seu trabalho era receber os nossos doentes em condições de serem evacuados e os transportarem para onde haviam previamente decidido a rota de vôo, ou iam para o Brasil ou para os Estados Unidos (da América). Podemos ver na foto, no centro dela a colega Lenalda Campos e ao fundo a enfermeira amazonense Semírames Montenegro. Sou amiga de Lenalda até hoje (Enfermeira Virgínia Maria de Niemeyer Portocarrero),
(...) o transporte aéreo foi um serviço muito importante feito por estas colegas. Lenalda sempre foi muito alegre e procurava manter alto o moral dos feridos que recebia (Enfermeira Bertha Moraes);
 
 Os depoimentos revelam que para as Enfermeiras desempenharem suas atividades no transporte aéreo, realizaram treinamento específico para atender às necessidades dos feridos em pleno vôo, o que se constituiu em um grande desafio, especialmente porque assumiam toda responsabilidade no cuidado destes pacientes.

A Enfermeira que aparece no primeiro plano da foto, fez o seguinte esclarecimento:

(...) essa foto foi feita dentro da aeronave onde nós trabalhávamos, no centro estou eu (...) em pé a Semírames, colega que fez parte do grupo deste transporte ,(...) ao todo éramos seis que fazíamos este trabalho, (...) a rotina era sempre dentro dos aviões (...) nós dávamos assistência a eles dentro desses aviões da FAB que tinham adaptação para dezoito, vinte padiolas(...). Para atravessar o Atlântico eram dez horas (...) o avião chegava de madrugada (...) e viajava a hora que eles achavam melhor por causa do (...) medo de de bombardeio (...) no avião tinha adaptação para tudo (...) não ia médico, eles davam para a gente toda a documentação que eles (pacientes) tinham (...) (Enfermeira Lenalda Campos Duboc)

Frente a esse depoimento, podemos inferir a sobrecarga psicológica que dominava a todas, particularmente as Enfermeiras do Transporte Aéreo, pois a assistência de enfermagem era desenvolvida com tomadas de decisões, que envolviam o fazer médico.

Certamente a responsabilidade com esta função, submeteu estas Enfermeiras a fatores com potencial estressor. Sabe-se que o manejo do estress freqüentemente está vinculado ao processo de enfrentamento para sobreviver. Frente a uma situação estressante os profissionais podem utilizar manejos comuns centrados no problema, controlando a situação; tentando resolver o problema; ou procurando organizar a situação.

Dessa maneira certamente as Enfermeiras realizavam seu trabalho, tomando suas decisões no momento preciso.

Acreditamos que aqui se observa um exemplo de função delegada, inculcada com alienação.

No cenário de uma guerra de proporções mundiais, acredito que as enfermeiras do Exército enfrentaram no cotidiano, muitos fatos "novos". A alienação e envolvimento com a missão levou-as algumas vezes, a aceitar com passividade o enfrentamento do cotidiano no T.O. Podemos deduzir que detinham um capital simbólico aquém das dificuldades com as quais se depararam.

As lutas empreendidas variavam com o momento vivido. As nossas Enfermeiras retratadas na fotografia em tela expressam claramente a visão que deixaram para os agentes da nossa FEB, transcrito nesse trecho do depoimento de seu Comandante, o Marechal Mascarenhas de Moraes: "(...).Coube à nossa enfermeira, além de sua missão profissional, representar as virtudes da mulher brasileira, entre homens e mulheres de várias nacionalidades, no convívio cotidiano dos hospitais americanos. As nossas compatriotas que acorreram ao chamado da Pátria, prestaram excelentes serviços à F.E.B., durante a sua permanência em território italiano, enfrentando e vencendo obstáculos numerosos. Ainda no Brasil, sofreram a maledicência impatriótica de alguns. Na Itália, viveram e serviram em hospitais americanos, onde, além das dificuldades advindas das diferenças de idiomas e hábitos, suportaram por algum tempo a


inferioridade hierárquica e pecuniária em relação às suas colegas americanas, com quem conviviam. Não obstante os óbices encontrados, as enfermeiras incorporadas à F.E.B. atenderam com abnegação e proficiência os nossos feridos e doentes, dando um veemente e nobilitante testemunho do valor da mulher brasileira (...)".

O Marechal Mascarenhas, ao publicar este elogio às Enfermeiras do Exército Brasileiro, fez resultar o mesmo num ganho simbólico para elas. Ele era o detentor do monopólio do poder e da violência simbólica legitima. Seu discurso é de alguém que impôs sua visão de mundo e, isso se reveste na identificação pública das enfermeiras que atuaram no conflito.

Acreditamos que:

"(...) A especificidade do discurso de autoridade, reside no fato de que não basta que ele seja compreendido (...) é preciso que ele seja reconhecido enquanto tal para que possa exercer seu efeito próprio. Tal reconhecimento (...) somente tem lugar como se fora algo evidente sob determinadas condições, as mesmas que definem o uso legítimo: tal uso deve ser pronunciado pela pessoa autorizada a fazê-lo, o detentor do cetro (...).conhecido e reconhecido por sua habilidade e também apto a produzir esta classe particular de discursos (...).deve ser pronunciado numa situação legítima, ou seja, perante receptores legítimos (...) devendo (...) ser enunciado nas formas (...) legítimas.

 As fotografias inegavelmente foram instrumentos de comunicação da Guerra. Porém elas não ficaram restritas às imagens daquele evento, registraram também a intervenção social desse saber, pois as pessoas, incluindo as Enfermeiras retratadas no arquivo iconográfico estudado, tiveram papel relevante na História do Exército Brasileiro.

fonte/RevistaBrasileiraDeEnfermagem/Margarida Maria Rocha Bernardes e Gertrudes Teixeira Lopes/Via Facebook/EduardoAlexandreGarcia/FranciscoBarros
Enhanced by Zemanta

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RASANTE EM TERESINA