O RISCO DOS JATINHOS
Um
grande empresário brasileiro é muito famoso entre os pilotos de jatos
privados. Não pelas vantagens de se trabalhar para ele, receber um ótimo
salário e pilotar sua moderna aeronave rumo a destinos exóticos. O nome
dele é sempre lembrado por razões nada edificantes: o milionário tem
fama de demitir pilotos com muita facilidade. O caminho da rua é temido
sempre que o comandante o orienta a não levantar voo em razão do mau
tempo, ou hesita em pousar onde o dedo do empresário aponta quando
visita suas fazendas.
“Por que não? O avião é meu”, costuma dizer
o dono do jatinho, com o peito cheio. Embora sua história seja
corriqueira e repetida aos quatro ventos nos bastidores dos aeroportos
do Brasil, ninguém ousa revelar a identidade do cidadão a um estranho.
Num mercado de trabalho restrito e extremamente fechado, pilotos têm o
receio de ficar marcados pela exposição de quem tem poder e influência
para dizer quem deve ou não ser contratado. Essa triste realidade em
pleno século XXI faz da relação piloto-dono de aeronave uma aventura
que, muitas vezes, não permite uma segunda chance.
Ao contrário
das linhas aéreas regulares, onde quem está fechado na cabine controla e
toma suas decisões sem a interferência dos passageiros, no transporte
aéreo geral (que inclui jatinhos particulares e alugados), a decisão
muitas vezes não está com aquele que tem o manche sob controle. A
pressão tête-à-tête do proprietário durante os voos acontece com
frequência. De cada três pilotos que falaram à DINHEIRO sobre o assunto
na Labace, feira mundial de aviação executiva que aconteceu em São Paulo
na semana passada, dois relataram que já sofreram ou conhecem colegas
que foram obrigados a viver situações extremas, seja para a decolagem,
seja para a aterrissagem.
É importante frisar que boa parte das
ordens não acontece por meio de intimidação, mas de desafios como “Tenho
certeza que você consegue pousar ali”. A vaidade dos pilotos, em alguns
casos, pode ser o erro fatal. “Muitos pilotos aceitam para mostrar que
são capazes de realizar a manobra, mesmo que a situação coloque todos em
perigo”, diz Alex Canário, da empresa de táxi aéreo Aero Star. “A
pressão faz o piloto pousar onde não pode e operar no limite.” Situações
como a vivida por um político em campanha como Eduardo Campos , que exigem constantes deslocamentos e muitos pousos e decolagens num só dia, precisam de atenção redobrada.
Por
mais que o avião tenha passado recentemente por uma manutenção, alguns
procedimentos básicos não podem ser ignorados – como geralmente são. Antes
de cada novo trajeto, é preciso realizar o check list do equipamento,
que leva cerca de 15 minutos. Pilotos que já voaram em condições
parecidas com as de uma campanha política dizem que é comum serem
obrigados a desprezar essa checagem entre um destino e outro, que
poderia identificar pequenos problemas nas bombas de combustível ou no
sistema elétrico.
Essa lista simples a ser verificada pode evitar
uma tragédia, como algumas que ceifaram vidas de grandes empresários no
País. “Alguns colegas perderam o emprego por se recusar a fazer o check
list apenas no primeiro voo, pela manhã”, afirma o piloto privado
Matias Júnior. “Quando o patrão também é piloto, fica mais fácil de ele
entender todas as necessidades.” Aeronaves que custam milhões de dólares
são muito seguras e têm muita tecnologia embarcada. A segurança de um
jatinho muitas vezes é colocada em xeque em caso de acidentes, mas
nenhum equipamento vai a mercado sem passar por milhares de horas-voo e
testes de estresse que garantem o cumprimento de todos os requisitos de
navegação, inclusive em situações de risco.
“O limite de um
voo-teste dificilmente acontecerá em situações normais, justamente para
garantir toda a segurança dos ocupantes”, diz um executivo de uma
fabricante. “Os erros normalmente são causados por interferência
humana.” Aqui, entenda-se tanto a influência dos donos como problemas
com os pilotos. O desrespeito às jornadas máximas diárias de voo coloca
esses profissionais em situações-limite. O déficit de concentração pode
provocar acidentes. Há relatos de pilotos que, como caminhoneiros,
chegam a tomar “rebite”, estimulantes para ficarem alertas.
“Ninguém
quer ter uma equipe de pilotos em casa”, afirma um profissional que
pediu anonimato. A falta de treinamento e aperfeiçoamento é outro ponto
sensível. A cada novo modelo de aeronave, por exemplo, é exigido um
curso em simuladores para o comandante entender as novidades
tecnológicas e o manejo. Como o custo é alto, quem cumpre essa
atualização, na maior parte, são aqueles ligados às empresas: os pilotos
privados acabam aprendendo com a prática diária. Ninguém sabe ainda o
que causou o acidente que matou Eduardo Campos e outras seis pessoas,
inclusive dois pilotos.
O jato Cessna Citation fabricado pela
americana Cessna pertencia ao grupo Andrade, de Ribeirão Preto, que atua
no setor sucroalcooleiro e entrou com pedido de recuperação judicial em
julho passado. O grupo adquiriu o avião novo em 2011. O negócio foi
fechado por meio da TAM Aviação Executiva, empresa que representa a
Cessna no Brasil. A manutenção, no entanto, não era feita nas oficinas
da representante oficial. Segundo uma fonte do setor aéreo, que não quis
se identificar, a aeronave estaria na lista de um grupo de agenciadores
que alugam jatos particulares para terceiros.
Esse tipo de
prática é ilegal, mas é comum no mercado de aviões de pequeno e médio
porte. Para poder usar uma aeronave comercialmente, o proprietário
precisa registrá-la como táxi aéreo.
O processo, além de dispendioso,
exige planos de manutenção mais rígidos, além de pilotos com treinamento
específico para atuar nesse mercado. As agências “piratas” são
conhecidas no meio como Taca (sigla de transporte aéreo clandestino).
Enquanto uma aeronave como um Seneca, com capacidade para quatro
pessoas, teria um custo médio de R$ 10.000 para cada mil quilômetros
percorridos, esse valor chega a ser de 30% a 40% mais barato num Taca.
A
consequência pode ser desastrosa. No início de agosto, um monomotor
caiu e matou cinco pessoas na cidade de Balsas, a 800 quilômetros de
distância de São Luís, no Maranhão. “Esse é mais um acidente com um Taca
e a Anac fecha os olhos para situações de irregularidade”, diz Enio
Paes, diretor-executivo da Associação Brasileira de Táxis Aéreos e
Oficinas de Manutenção. A entidade protocolou uma série de denúncias
junto ao Ministério Público envolvendo mais de 30 aeronaves que estariam
voando clandestinamente na região Norte.
Profissionais
consultados pela DINHEIRO durante a Labace, que aconteceu no antigo
hangar da Vasp, no aeroporto de Congonhas, foram categóricos ao afirmar
que um acidente aéreo só abala a venda de um novo jato se ficar
comprovada a falha técnica. Na quarta-feira, mesmo com a chuva
intermitente e a notícia do acidente com o presidenciável, o evento
estava cheio. Os estandes de fabricantes como Gulfstream, Embraer,
Dassault e Bombardier ficaram movimentados durante todo o dia. No
Cessna, a movimentação não parecia menor que nos demais. Sinal de que a
aviação executiva continua em crescimento no País, o segundo maior
mercado do gênero depois dos Estados Unidos.
fonte/IstoÉ
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