FERNANDÃO FOI VÍTIMA DE IMPRUDÊNCIA
A
morte do ex-jogador Fernando Lúcio da Costa, o Fernandão, no sábado, 7
de junho, com a queda do helicóptero que vitimou também outros quatro
ocupantes da aeronave, é o que se pode chamar de crônica de uma morte
anunciada, apenas parafraseando o escritor Gabriel Garcia Marques. Um
acidente como esse era possível de ter ocorrido há muito tempo, se
observado o histórico dos voos e da utilização daquela aeronave.
O Diário da Manhã ouviu com exclusividade o comandante
Alexandre Douglas Brito da Silva, piloto de helicópteros e que trabalhou
para a Planalto Indústria, empresa dona da aeronave. Alexandre pilotou o
mesmo helicóptero que caiu na praia do Rio Araguaia matando todos os
ocupantes e relatou detalhes dos voos que fazia e das razões que o
fizeram deixar a serviço após mais de quatro anos.
Alexandre Douglas Brito é um paulistano de 33 anos que há 30
vive em Goiânia. Como piloto de helicópteros, ele é um comandante
experiente, com mais de 4.200 horas de voo e 15 anos de experiência no
manche de aeronaves especiais como essas.
Após sair da Planalto, ele teve de recorrer à Justiça para ter
seu acerto trabalhista porque a empresa se negou até mesmo a dar baixa
em sua Carteira Profissional. Representado pelos advogados Alexandre
Abreu, Fernando Abreu e Gualter Abreu, o comandante tem uma reclamatória
que na apuração final dará por baixo R$ 2 milhões de indenização
trabalhista para ele. As razões do desligamento, explica ele, foram as
condições de trabalho a que era submetido, com jornada estafante, riscos
desnecessários e perigo constante a que era obrigado a se expor. Não
bastasse isto, ele recebia apenas uma parte do seu salário descrito na
carteira, o resto "era caixa dois". O salário contratado era de R$
13.000,00, dos quais apenas R$ 3 mil na carteira e com emissão de
contracheque, o restante era pago "por fora", para não incidir direitos
trabalhistas e obrigações previdenciárias. Tudo isto está provado na
ação trabalhista que está em fase de perícia para aferir o valor da
indenização.
O fato de o helicóptero estar em um banco de areia, voar à
noite e longe de um aeródromo são fatores que ajudaram a conjugar a
situação que culminou com a tragédia da queda da aeronave e a morte de
todos os ocupantes. O helicóptero estava parado em um banco de areia,
numa praia no Rio Araguaia, próximo a Aruanã, quando Fernandão e amigos
saíram por volta da 1h30 da madrugada para ir jogar baralho. Logo depois
de levantar voo, o helicóptero despencou a cerca de 200 metros de onde
levantara voo matando o piloto e seus quatro passageiros.
O comandante Alexandre Douglas explicou com minúcias tudo o que viveu pilotando a aeronave que caiu.
O helicóptero
Trata-se de um helicóptero Esquilo, de fabricação
franco-brasileira da indústria Eurocopter, montado pela Helibras, no
Brasil. É um modelo mono-turbina com capacidade para até cinco
passageiros mais o tripulante. Essa aeronave que caiu foi fabricada em
1998 e seu preço estimado girava em torno de US$ 1,4 milhão. Sua
capacidade de voo vai de 166 metros de altitude até 4 quilômetros. Sua
velocidade de cruzeiro é em média 190 quilômetros horários.
O comandante Alexandre Douglas se recorda que foi feito seguro da aeronave somente quando de sua compra.
Os voos
Alexandre tinha dedicação exclusiva para a Planalto Indústria,
empresa que o contratou. Inúmeras vezes ele era chamado noite alta, de
madrugada, para voar. A maioria das vezes era para Aruanã, onde o
diretor da Planalto, Beto, possui casa. Por não ter jornada definida,
ele praticamente não tinha vida social. Se lembra que pouquíssimas vezes
podia se dar ao luxo de tomar um chope ou esticar um final de semana
com a família. Isto só acontecia quando o helicóptero estava parado para
revisão ou quando o diretor estava viajando e sabia que não ia retornar
logo.
O comandante explica que essas aeronaves não possuem
equipamento para voos noturnos e que voar à noite é praticamente voar
apenas por instrumentos, às cegas, fato que potencializa o risco. Pela
legislação aeronáutica é permitido voar em um raio de até 54 quilômetros
de aeródromo homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil.
Pousar em banco de areia também é outra temeridade que os
pilotos da Planalto eram submetidos. Não há qualquer certificação de
heliponto para um banco de areia, no meio da praia do Rio Araguaia. Voar
à noite, decolando de um banco de areia potencializa o risco de
acidente porque o piloto voa praticamente às cegas e não tem auxílio de
uma base com informações sobre ventos e outras variáveis que influenciam
a aeronáutica.
Alexandre Douglas explica que em condições especialíssimas
seria até compreensível e justificável pousar em uma praia, como para
prestar algum socorro, mas tornar isso habitual é uma temeridade e
significa correr muito risco de forma desnecessária.
Os plantões
O comandante lembra que passou pelas mesmas condições a que
foi exposto o coronel reformado da PM-GO Milton Antônio Ananias, piloto
que foi vitimado no acidente. O coronel Milton era definido pelos amigos
como "um homem livre e de bons costumes" e que era muito dedicado ao
trabalho, além de ser responsável e prudente. Não bebia e havia deixado
de fumar uns 20 dias antes.
Era comum os pilotos ficarem em regime de plantão desde o
início do dia, começando a voar por volta das 8 horas e emendarem até
alta madrugada. Na praia, eles tinham comida e alguma pequena estrutura
para ficarem esperando ser chamados para voar. Os pousos e decolagens
também aconteciam em locais não habilitados nem homologados para isto,
como quintal de casas, pasto em fazendas e outros "estraga família" como
os pilotos chamam locais onde são obrigados a pousar.
Como as autoridades são omissas em fiscalizar, os pilotos até
tentam demover seus patrões das ordens temerárias que emitem, mas a
resposta é impositiva: vai fazer porque estou mandando. Além da
sobrejornada que são obrigados a cumprir não havia qualquer remuneração
indenizatória como hora-extra ou adicional de periculosidade.
Alexandre Douglas classifica a região de Aruanã como
verdadeiro inferno, principalmente em época de temporada ou feriados
prolongados. O tráfego de helicópteros é intenso e a irresponsabilidade
de pousar e decolar de locais proibidos daria taquicardia e urticária em
um oficial da Aeronáutica que fosse fiscalizar o tráfego aéreo na beira
do Araguaia.
Duas aeronaves dos proprietários da Planalto foram vítimas da
imprudência. O helicóptero que caiu matando todos os ocupantes e na
última sexta-feira o jato Cessna Citation Jet, com seis pessoas a bordo,
sofreu avarias ao não conseguir frear e bater na cerca de arame,
quebrando uma perna e costelas do piloto. Os tripulantes sabiam que a
pista do aeródromo de Aruanã estava proibida para pousos e decolagens de
aeronaves movida a jato. Esse fato foi revelado com exclusividade pelo
Diário da Manhã.
fonte/DiarioDaManha
Comentários