ESTUDOS APONTAM PRESENÇA DE GASES TÓXICOS NA CABINE DE AVIÕES
Um cheiro de meia molhada dentro de um avião pode ser muito mais do que
apenas algupem da cadeira do lado. Passageiros e tripulação descrevem
esse odor nos chamados "fume events", ou seja, ocasiões em que
gases tóxicos entram no sistema de ventilação e chegam à cabine. Essas
substâncias tóxicas atacam o sistema nervoso e podem causar danos
irreparáveis à saúde.
Em 2012, a quase queda de um Airbus da companhia Germanwings virou
manchete nos jornais alemães. Os dois pilotos que estavam respiraram ar
contaminado e apresentaram sinais de envenenamento. Eles quase
desmaiaram e conseguiram pousar, com dificuldade, o avião no aeroporto
de Colônia/Bonn.
Mas esse caso não é uma exceção. Segundo os mais recentes números da
Agência Federal Alemã para Investigação de Acidentes Aéreos (BFU), entre
2006 e 2013, foram registrados cerca de 660 fume events. Em
dez deles, os afetados tiveram problemas de saúde de longo prazo, afirma
o estudo. Além disso, a avaliação dos dados aponta "indícios claros de
problemas de saúde para pilotos e tripulação" – em outras palavras, um
risco também para os passageiros.
Um estudo divulgado pelo jornal Welt am Sonntag apresenta outra
prova da existência de substâncias tóxicas em cabines de aviões. A
companhia aérea Condor pediu ao Instituto Fresenius para testar a
presença de fosfato de tricresilo (TCP), usado como aditivo em
combustíveis, em suas aeronaves.
Segundo o jornal, a partir de amostras
recolhidas nos aviões, o estudo indicou a contaminação em 11 de 12
Airbuses modelo A320, em cinco de 13 Boeings 757 e em seis de nove
Boeings 767. Desde 2009, a Condor mantém o estudo em segredo.
Altamente nocivo
O TCP é semelhante em sua composição ao gás Sarin, usado como arma
química devido a seu efeito sobre o sistema nervoso, e pertence ao grupo
dos organofosfatos. Motores de avião demandam esse aditivo antidesgaste
para evitar corrosão. O problema é que gotas do TCP podem vazar,
evaporar rapidamente e entrar na cabine pelo sistema de ventilação.
O efeito da inalação da substância varia. Enquanto alguns sentem dor de
cabeça, irritação nas mucosas, enjoo, insônia, tremores musculares ou
problemas de concentração, outros não apresentam nenhum sintoma. Por
isso, é difícil relacionar problemas de saúde ao TCP presente no ar das
cabines.
O médico Frank Bartram tratou de vários pilotos e comissários de bordo
que apresentaram problemas de saúde devido à inalação de toxinas. "Todos
tinham um desvio-padrão genético, que dificulta a decomposição de
organofosfatos ou, ainda, os tornam mais tóxicos no organismo." Ao
contrário da regra da toxicologia "muito veneno, muito efeito, pouco
veneno, pouco efeito", uma pequena quantidade já pode causar grandes
danos ao organismo com um sistema de desintoxicação deficiente, diz
Bartram.
Os efeitos nocivos para a saúde causados pela exposição a gases tóxicos
em cabines são chamados de síndrome aerotóxica, descrita pela primeira
vez em 1999. Entretanto, desde a década de 1950 já havia queixas de
saúde desse tipo. Mas a Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda não
reconheceu a doença, e, portanto, nem companhias aéreas nem associações
profissionais podem ser responsabilizadas. Entretanto, após as
descobertas recentes, isso poderia mudar em breve.
Tripulação em perigo
Um estudo recente da Associação Aerotóxica apontou que a morte de um
piloto britânico está relacionada à intoxicação por organofosfatos.
Richard Westgate, 43 anos, morreu em dezembro de 2012, sem que médicos
pudessem diminuir suas dores. Ele sofria de diversas doenças, entre
elas, miocardite, leucemia e esclerose múltipla. Em sua autópsia,
especialistas encontraram danos no seu sistema nervoso causados por
intoxicação.
Em casos graves, a intoxicação por organofosfatos pode diminuir a
sensibilidade nos braços e pernas e até causar "paralisia parcial",
afirma Jörg Handwerg, da Associação Cockpit, que representa pilotos e
engenheiros de voo. Muitos colegas que apresentaram esses sintomas
perderam seus empregos e são considerados incapazes de trabalhar,
revela.
Há anos a associação tenta convencer as companhias aéreas a instalar
sensores na cabine para medir a concentração de organofosfatos e agir,
se necessário. "Também ainda não há filtros, embora tentemos há nove
anos encontrar uma solução para esse problema", revela Handwerg.
Os efeitos nocivos à saúde poderiam ser evitados se sistemas de
ventilação de aviões fossem construídos de uma maneira que evitasse que
vapores de combustíveis e fluídos hidráulicos entrassem no ar da cabine.
Entretanto, esse é o caso de apenas um modelo atual, o Boeing 787, cujo
sistema de ventilação é elétrico. Até agora, os fabricantes recusam-se a
investir em mudanças nesse sistema – "sobretudo a Airbus, na Europa,
mas também as fabricantes de Boeing nos Estados Unidos", diz Handwerg.
Equipar seus modelos com melhores sistemas de ventilação implicaria
custos altos demais, e, assim, "um cartel formado pela política, pelas
companhias aéreas, autoridades e fabricantes" impede que haja mudanças
no setor.
fonte/foto/dw.de
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