JOSÉ NIEMEYER COMENTA OPÇÃO BRASILEIRA PELO CAÇA GRIPEN DA SUÉCIA
– Como você analisa a
escolha pelo governo brasileiro do avião Gripen da Suécia para o
fornecimento dos aviões militares e renovação da Força Aérea Brasileira?
–
Não era uma escolha esperada, na verdade a maior expectativa era em
relação a uma parceria com a França. Houve uma mudança no rumo das
negociações que não ficou muito clara. Acho importante a gente pensar
esse acordo entre Brasil e Suécia por duas perspectivas.
Primeiramente,
pela perspectiva estratégico-militar, visto que o Gripen é um avião
menor, mais leve, com menor autonomia de combate. Ele vai ficar
localizado em Anápolis e a gente tem que entender que de Anápolis ele
terá uma autonomia que vai chegar às margens da fronteira com a
Venezuela, às margens da costa brasileira, às margens da Amazônia, e
também ao sul do país. Ou seja, o raio dele vai ser um raio de menor
alcance comparado, por exemplo, ao Sukhoi que foi cogitado no começo da
licitação, tendo também uma autonomia menor do que o avião
norte-americano e que o avião francês.
Do ponto de vista
técnico, tem uma outra questão que é a troca de tecnologia, que foi uma
variável estratégica para a aeronáutica brasileira. A troca de
tecnologia no setor militar sempre foi muito importante, mas hoje ganha
uma importância especial porque o mundo caminha para o que a gente chama
de sistema multilateral aberto, então não faz muito sentido países que
não detêm tecnologia aceitarem uma imposição de não haver troca de
tecnologia. Se o mundo caminha para um multilateralismo aberto, ficou
mais fácil do ponto de vista diplomático para os países que não detêm
tecnologia negociar tecnologia, tanto no campo civil quanto no militar,
para acabar um pouco com aquele engessamento norte-sul entre os
possuidores de tecnologia e dos não possuidores de tecnologia.
Tem
uma questão importante também, além da troca de tecnologia, é o tamanho
do contrato. Parece que durante o termo do contrato, a compra pode
chegar a 160 aeronaves. Então é um acordo interessante do ponto de vista
da quantidade e da qualidade do recurso de poder, que no caso é o
avião. Agora partindo do aspecto da viabilidade política do acordo, esse
acordo terá que ser melhor analisado no tempo e no espaço. Pois o
Brasil optou por um avião sueco, e não por um avião norte-americano ou
francês.
Nesse caso, a ação brasileira é uma ação
alternativa, pois os Estados Unidos sempre foram parceiros estratégicos
do Brasil, principalmente no campo da Segurança do Estado e segurança
regional. E a França, que foi, principalmente durante o segundo mandato
do governo Lula, tratada como principal parceiro do Brasil, inclusive há
um acordo entre Brasil e França para construção e aprimoramento dos
nossos submarinos convencionais, os Tucuna. Ou seja, a França já tem uma
parceria com o Brasil no campo militar, assim como a Itália teve no
passado.
– Aliás, Brasil já comprou à França os porta-aviões São Paulo.
–
Há um acordo para a melhoria e produção de submarinos convencionais
entre Brasil e França. Portanto, era esperado que o avião fosse o
francês, mas o Brasil escolheu o caminho do meio, e isso não tem jeito,
nas relações internacionais isso implica um risco. Até porque tem um
outro complicador, pois a França e os Estados Unidos são competidores no
campo estratégico militar. A França não acompanha os Estados Unidos em
todas as decisões no Conselho de Segurança da ONU. A França tem uma
autonomia militar desde a Segunda Guerra Mundial. A França faz testes
nucleares, e tem uma forma muito controlada de realizar esses testes, o
que sempre incomoda os Estados Unidos e vice-versa. A França investe
muito em energia nuclear para fins civis.
Portanto,
quando a gente analisa o que a França e os Estados Unidos pensam em
relação à potência do Estado, os dois países não são necessariamente
países parceiros. Eles têm agendas no campo da potência do Estado muito
específicas. Foi uma ação alternativa o Brasil buscar um avião sueco.
Agora, é um avião europeu.
– Por
que motivo, na sua opinião, foram necessários cinco mandatos
presidenciais brasileiros, dois do Fernando Henrique Cardoso, dois do
Lula e um da presidente Dilma Rousseff, para a escolha do avião sueco
para a substituição da Força Aérea brasileira? Você partilha da opinião
de que os Estados Unidos foram descartados em função das denúncias do
Edward Snowden de que o Brasil foi espionado pelos Estados Unidos?
–
Eu vou começar pela segunda pergunta. Acho que a questão do Snowden foi
fundamental para a decisão de não comprar o avião norte-americano. Os
militares brasileiros devem ter começado a perceber que seria muito
fácil para o setor de segurança e informação americano conseguir ter
algum controle sobre a forma de como o Brasil utilizaria os aviões, pois
a aviônica de uma aeronave
está muito ligada à questão da comunicação. Se o Brasil está sendo
investigado naquele nível, também não é difícil controlar um meio
militar.
E a primeira questão tem a ver com algo até
hoje se discute no Brasil, que é como a sociedade brasileira entende o
gasto militar. Portanto, quando temos outras questões da área das
políticas públicas para serem resolvidas, na área da educação, saúde,
segurança pública, talvez o tempo que se levou para tomar a decisão
tenha muito a ver com esse cuidado com a opinião pública.
– Qual seria a repercussão?
–
A opinião pública poderia não gostar do gasto, pois é um gasto
considerável. Outro ponto importante também é que a compra do avião
sueco mostra uma leve divisão dentro do executivo federal, dentro do
governo brasileiro.
Pois o ministro da Defesa, Celso
Amorim, é uma pessoa de inteira confiança de Lula. Foi ministro das
Relações Exteriores quando a França foi colocada como principal parceira
no acordo de compra dos caças, depois volta como ministro da Defesa,
mas parece que o que prevaleceu foi a decisão da equipe técnica da Força
Aérea. Acho que aí tem uma disputa muito interessante dentro do
governo, dentro dos grupos que formam o governo.
Por
exemplo, o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho, que foi ministro do
Trabalho no governo Lula, é considerado um nome muito forte como uma
futura presidência, e a informação que eu tenho é que já há uma fábrica
da Saab, montadora que de caminhões e que monta o Gripen, ali naquela
região do ABC paulista. Eu soube que Marinho fazia um movimento já há
algum tempo para o Gripen fosse o vencedor da licitação. Inclusive, até
criando numa Universidade, em São Bernardo, um grupo pra se estudar as
questões ligadas à defesa nacional, estudos estratégicos, para já
começar a mostrar dentro da cidade a importância da compra desses
aviões. Ele foi à Suécia pessoalmente fazer um lobby, visitando a Rainha
da Suécia, o Rei da Suécia. E essa foi uma vitória de Luiz Marinho,
porque o avião vai ter que ser montado, você terá que fabricar algumas
peças, vai criar toda uma indústria direta e indireta pra esse processo,
e isso vai ficar centrado ali em São Bernardo. Portanto, é uma grande
vitória de Luiz Marinho, inclusive eu diria que, do ponto de vista
político, é o maior vencedor.
Então isso é importante,
porque a gente começa a perceber que no PT começa a surgir uma nova
geração de lideranças que vai se colocar à disposição do Partido e Luiz
Marinho é um deles. Outro ponto importante é discutir por que o Brasil
decidiu essa ação mais alternativa de comprar um avião sueco. Será que
Ministério da Defesa, a Abin (Agência Brasileira da Inteligência), a
presidência da república, o gabinete de segurança nacional, o conselho
de defesa nacional, perceberam que o Brasil tem espaço nesse mundo que
caminha para um multilateralismo aberto, que o Brasil tem espaço pra
ocupar, e que seria mais interessante que Brasil tivesse mais autonomia
em um momento como esse? E a compra do Gripen traz mais autonomia para o
Brasil? Isso tem que ser pensado.
No último domingo,
na Folha de São Paulo, o Fernando Henrique escreveu um artigo
interessante, no qual ele defendeu que o Brasil volte a ter um
relacionamento mais próximo com os Estados Unidos e com a Europa, e que
não fique tratando a política externa como uma política pública, uma
política de estado de stop and go,
de se aproximar de alguns países, aí depois volta, se aproxima, tenta
recuperar o Mercosul, ao mesmo tempo quer uma aproximação com os países
do norte do continente, depois tem alguns acordos com a Europa, mas ao
mesmo tempo não abre mão de ter um relacionamento com a China e com a
Índia. E isso faz parte do multilateralismo aberto que eu falo, porém o
Fernando Henrique quer deixar claro, e eu concordo com ele, que em
diplomacia o tempo e recursos são esgotáveis. Nós não temos diplomatas
suficientes para fazer acordo com todo e qualquer país. Também não temos
tempo pra isso. A negociação exige tempo.
Isso mostra
bem o que o PSDB pensa em relação à política externa se voltar ao poder.
O PSDB tem uma visão mais focada de política externa, principalmente
com os seus parceiros tradicionais, Estados Unidos e Europa, e tentar
melhorar as relações do Brasil com os países do Sul, principalmente a
partir do Mercosul. E a compra do Gripen, se a gente for analisar as
notícias da imprensa argentina, pode mostrar pro nosso principal
parceiro no sul, que é a Argentina, e também a Venezuela (agora também
no Mercosul), que o Brasil está buscando uma autonomia de criar um
autonomia de acordos com países alternativos, e não com França e Estados
Unidos. E isso pode incentivar Argentina e Venezuela a fazerem o mesmo,
ou incentivar, por exemplo, a Argentina a ter uma postura mais próxima
dos Estados Unidos. Então, a Venezuela pode pensar o seguinte: o Brasil
tá buscando uma postura mais alternativa se aproximando da Suécia, então
o governo venezuelano pode solidificar ainda mais a sua parceria com a
Rússia no campo estratégico-militar.
Então a ação como
essa do Brasil pode fazer com que outros países da América Latina,
principalmente Argentina e Venezuela, comecem a buscar também acordos
alternativos no campo da segurança e da defesa nacional. Então por mais
que o Brasil não seja um player
relevante no campo da segurança internacional, e definitivamente não é,
e Suécia também não é, pois é uma fornecedora de tecnologia militar, eu
sinto que nós vamos precisar de um bom tempo para ver como ficam as
relações Brasil-Estados Unidos, pois acordos como esses refletem também
em acordos de comércio, acordos de cooperação econômica, acordos de
troca de tecnologia no campo civil.
Os fatos citados e as opiniões expressas são de responsabilidade do entrevistado
fonte/VozDaRussia
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