DESVENTURAS AÉREAS NOS CÉUS DA NIGÉRIA

English: Murtala Mohammed International Airpor...English: Murtala Mohammed International Airport, Lagos, Nigeria. (Photo credit: Wikipedia)
Lagos, Nigéria – O suplício de voar na Nigéria começa com turbas caóticas acenando chumaços de dinheiro ao redor de vendedores de passagens em terminais abafados e sem ar-condicionado.
Depois, vemos a onda de gente sobre o atendente sobrecarregado que cuida do check-in. 

Entrar no avião em si pode ser considerado um feito, dada a falta de anúncios audíveis, sinalização eficiente e empregados uniformizados que saibam quanto tempo vai durar o atraso inevitável. 

Porém, é só depois de estar instalado no avião que a verdadeira aventura começa. 

Viagem aérea por aqui pode ser uma experiência banal, mas à beira da catástrofe, como o acidente de avião de junho em Lagos bem mostrou. A forma como um avião brilhante cheio de nigerianos bem-sucedidos — muitas reportagens detalharam as conquistas de alguns funcionários públicos graduados ou de empreendedores engenhosos — acabou virando um amontoado chamuscado de ferragens na lama de um bairro operário serviu para ressaltar os piores pesadelos de todo viajante deste país, tão cheio de dinamismo e disfunção. 

Décadas atrás, os aviões caíam com tanta frequência que muitos nigerianos preferiam as estradas perigosas para ir daqui para, por exemplo, Abuja, Port Harcourt ou Kano. 

Porém, o governo fechou as linhas aéreas de operadoras perigosas e avisou às outras que subterfúgios estavam proibidos. Segundo especialistas, a reputação do setor aéreo do país melhorou, a ponto de autoridades dos Estados Unidos terem dado às suas companhias aéreas, em 2010, o status de Categoria 1, o mais elevado aval de segurança. 

Então, o acidente de 3 de junho com o avião da Dana Air, de Abuja, a capital, que matou todas as 153 pessoas a bordo, além de um número desconhecido de pessoas em terra, trouxe todas as dúvidas de volta. A ansiedade que cerca o setor aéreo nigeriano continuou numa noite recente de sexta-feira em junho, quando as luzes da pista do Aeroporto Internacional Nnamdi Azikiwe, em Abuja, se apagaram, levando ao desvio de alguns voos e deixando passageiros em dificuldades. 

Numa manhã recente no Aeroporto Murtala Muhammed, em Lagos, o piloto de uma das principais empresas aéreas nigerianas confessou seus medos. Ele disse que não embarcaria nos envelhecidos 737s da empresa por falta de manutenção adequada. Segundo o piloto, a manutenção é uma piada. O entrevistado afirmou que os inspetores de segurança foram subornados. Os pilotos adotaram comportamentos excêntricos na cabine, pondo em risco as vidas dos passageiros. Findas as acusações, ele foi voar em seu avião. 

Sem dúvida, a grande maioria dos voos na Nigéria, como em qualquer lugar, começa e termina sem incidentes perceptíveis, ainda que os pilotos pareçam anunciar destinos incorretos regularmente. Tirando o desconforto — aviões velhos, alguns com 30 anos de serviço, com poltronas apertadas e assombrados pelos odores de décadas de refeições ruins —, são como os aviões de qualquer lugar. Só que, de vez em quando, eles se destacam. 

O avião de uma grande companhia nigeriana se aproximava de Lagos após um voo internacional noturno. A cidade se tornou visível, dava para enxergar o aglomerado das ruas próximas ao aeroporto, e o avião parecia estar na descendente. De repente, a visão mudou. 

O avião sobrevoava campos e pântanos. A cidade sumia a distância, embora o tempo estivesse perfeito. Aparentemente, o avião não se dirigia mais a Lagos. Depois de alguns minutos, a voz do capitão foi ouvida pelo comunicador:

— Ah, distintos senhoras e senhores (é assim que os pilotos nigerianos se dirigem agora aos passageiros), peço desculpas, mas perdi o pouso. Terei que de tentar novamente.
O avião ficou em absoluto silêncio. Os comissários ficaram congelados em seus lugares, com os rostos imóveis. Depois de dez minutos, o piloto tentou novamente e o avião aterrissou sem incidentes. 

Num recente voo doméstico — novamente envolvendo uma empresa grande — o pequeno jato enfrentou forte turbulência. Ele prosseguia, com o avião chacoalhando para cima e para baixo, os minutos se acumulando, primeiro 15, depois meia hora. 

A voz do piloto se ouviu novamente pelo comunicador, mas não para dar informações sobre o voo. Para cantar. Barítono ofegante com voz de taquara rachada, o (evidentemente) idoso piloto começou a entoar uma cantiga improvisada louvando a própria empresa: "Ah, como adoro voar pela Air Nigeria! Air Nigeria! É a melhor!"
O avião sacudia e o capitão cantava. 

Por fim, o jato pousou em seu destino no interior. Os passageiros, quase todos nigerianos, desembarcaram, impassíveis e silenciosos, parecendo acostumados a essas experiências comuns beirando – desconfortavelmente demais – o extraordinário. 

fonte/TheNYTimesNewsServices/Syndicate/ZeroHora


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