COMO UMA CIDADE AUSTRALIANA AJUDOU UM AVIÃO CONDENADO A VENCER A MAIOR CORRIDA AÉREA DO MUNDO




Perdido em uma tempestade sobre o Nordeste da Austrália, o capitão R. D. Parmentier e sua tripulação estavam tentando desesperadamente encontrar um lugar para pousar o grande DC2. Eles estavam a poucas milhas do fim de um trajeto de 18.200 quilômetros entre Londres e Melbourne e a tempestade havia inutilizado o equipamento de comunicação.

Enquanto os operadores de rádio em solo tentavam em vão algum contato com a aeronave, o prefeito de uma pequena cidade teve uma ideia brilhante como um relâmpago naquele céu. Ele ligou para um engenheiro da cidade e pediu  que piscasse as luzes da cidade em código morse para soletrar uma mensagem: A-L-B-U-R-Y, o nome da cidade.

Era a única esperança do avião.

Melbourne estava pronta para celebrar seus 100 anos em 1934 e queria um gesto grande o bastante para marcar a existência da cidade. Aproveitando o repentino salto na tecnologia aeronáutica, eles decidiram realizar uma corrida aérea de Londres a Melbourne. Como prêmio, o magnata dos chocolates Macpherson Robertson ofereceu 75.000 dólares (1,3 milhão, em valor atualizado) de sua empresa e a MacRobertson Air Race foi anunciada.

A corrida foi marcante não apenas pela grande distância, mas também pelo reconhecimento da Austrália como algo além da “grande terra no limite do além”, como disse um jornal.



Os aviões decolariam ao mesmo tempo e teriam que parar em cinco pontos ao longo da viagem (Bagdá, no Iraque; Allahabad, na Índia; Singapura; e Darwin e Charleville, na Austrália). Não havia regras a respeito do porte ou tipo de avião, apenas a exigência de que os pilotos voassem a corrida inteira, do começo ao fim, e que os aviões atendessem a certos padrões de segurança.

Apesar do equipamento de segurança, o Lloyds, de Londres, estimou que a probabilidade de morte era de uma em doze.

Cerca de 64 equipes pretendiam disputar a corrida, mas apenas 20 aviões estavam na linha de partida em 20 de outubro de 1934. Os favoritos eram uma dupla de De Havilland DH.88 Comets - aeronaves esguias projetadas especialmente para a corrida. O cockpit do avião acomodava apenas dois pilotos em tandem.

Na outra ponta do espectro havia uma dupla de aviões comerciais de passageiros. Dois pilotos americanos voariam com um Boeing 247-D e uma equipe da holandesa KLM disputaria com um Douglas Dc-2 ainda maior. Para tornar tudo mais interessante o avião da KLM levaria correspondências e passageiros ao longo da viagem!
A mensagem de Sir MacPherson Robertson à ABC dizia:
“Caros amigos, no começo da manhã de ontem, antes mesmo que o sol se impusesse sobre o horizonte para dispersar a névoa que cercava o Aeródromo Mildenhall em Suffolk, os competidores da MacRobertson International Air Race esperavam o sinal de largada para o voo de 18.200 km. Nunca na história da aviação houve tal seleção de pilotos, e nunca na história do mundo houve uma competição aérea como esta”.
Sob o comando do capitão Parmentier, o DC-2 da KLM – apelidado de Uiver (“cegonha”, em português), logo se tornou um favorito. Ele disputou com o Comet britânico dos capitães Scott e Campbell-Black por todo o percurso valendo-se de sua confiabilidade e conforto superiores para acompanhar o avião mais rápido (que não levava passageiros). Outros competidores acidentaram-se (dois morreram) ou sofreram falhas mecânicas, mas a enorme aeronave continuou em frente.

Em 23 de outubro, às 15h33 o Comet conseguiu conquistar a coroa da categoria “Speed”, deixando ao Uiver e sua tripulação a chance de vencer na categoria “Handicapped”, que leva em consideração porte e capacidades das aeronaves usando uma fórmula específica de handicap.



Tudo o que a tripulação do Uiver tinha que fazer era cruzar uma distância relativamente pequena entre Charleville e Melbourne, e manter os outros competidores atrás deles. Mas a falta de sorte se manifestou em forma de uma tempestade a apenas 320 km da linha de chegada. Era noite, e sem visibilidade e seus equipamentos de comunicação o DC-2 saiu de seu curso.

Os sinalizadores da Força Aérea Real Australiana tentaram desesperadamente manter contato, mas nada estava funcionando. Foram feitas chamadas de ajuda pelo rádio e as estações de trens acenderam todas as luzes de sinalização. Os navios da marinha acenderam seus holofotes para avisar o avião caso ele desviasse para muito próximo do oceano.


Os cidadãos da pequena vila de Albury ouviram os motores do avião e acharam que ele estava indo para Melbourne. Mas o avião não se foi. Ele permaneceu circulando a área.
Cientes do perigo, várias autoridades locais e locutores de rádio traçaram um plano. O engenheiro-chefe da companhia elétrica, Lyle Ferris, piscaria as luzes da cidade em código morse. Um vereador pediu a todos que tivessem um caro que percorressem um traçado de corrida para criar um círculo de faróis. Apesar da chuva, todos que poderiam ajudar compareceram.

Era um evento mundial, e por isso a comunicação por rádio fez com que os ouvintes da Austrália e da Holanda acompanhassem tudo enquanto a cidade fazia sua desesperada tentativa de socorro.

Surpreendentemente a tripulação viu as luzes piscantes e percebeu que era uma mensagem em código morse. Devido à baixa visibilidade eles não conseguiram ler a mensagem, mas viram o círculo de luzes na pista de corridas e, com muita habilidade, conseguiram pousar o avião. A mesma tempestade que os impediu de achar a rota para Melbourne formou a lama que ajudou o piloto a pousar o avião sem sair da curta pista de corridas.

Quando a porta do avião finalmente foi aberta, um dos tripulantes saiu e perguntou “Aqui é Melbourne?”
Pode-se imaginar o alívio de todos os envolvidos e os risos que seguiram a pergunta feita.

Ao nascer do sol o avião parecia irremediavelmente atolado, mas todos estavam vivos. Não dispostos a decepcionar os visitantes, a Cidade de Albury novamente traçou um plano para ajudar a desatolar o enorme avião. Tudo que não seria necessário – incluindo os passageiros – foi removido da aeronave, e o capitão Parmentier e seu co-piloto decolaram rumo a Melbourne.



Mesmo com este atraso o avião conquistou o segundo lugar na categoria de velocidade, e venceu a categoria handicapped. Foi uma grande vitória para o avião, para o país, e para a pequena cidade australiana.
Ao desembarcar o capitão falou à ABC:
“A primeira coisa que quero contar é que sou muito grato a tudo o que a comissão nacional de radiodifusão fez para possibilitar nossa aterrissagem na noite passada em Albury. Também devo expressar meu agradecimento à ajuda que recebi do prefeito de Albury e a população que foi bastante prestativa nesta manhã ao ajudar a remover o avião da lama e tornar possível a nossa decolagem.”


O prefeito Alfred Waugh acabou condecorado com a Ordem Orange-Nassau – uma grande honraria a holandesa – da própria Rainha Guilhermina dos Países Baixos. O capitão Koene Dirke Parmentier e seu co-piloto foram nomeados cavaleiros do Reino dos Países Baixos.

Foi estabelecido um relacionamento entre o país europeu e Albury, e quando o Uiver acidentou-se dois meses mais tarde matando todos a bordo, foi erguido na Holanda um memorial custeado por doações arrecadadas em Albury.



Hoje há um DC-2 restaurado em Albury, decorado para se assemelhar ao Uiver e re-batizado como aeronave memorial “Uiver-2″. O avião foi colocado à venda por falta de recursos locais para sua manutenção, mas os moradores da cidade tentam impedi-la para que ele permaneça em Albury como parte de sua história.

fonte/Jalopnik/foto/Archangel, KLM/Airspace Magazine, DC3Airways.com, Post Card Post
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Comentários

MARTINS disse…
http://www.pilotocomercial.com.br/entidades/noticias.aspx?newsid=1690&entid=168

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