A INVASÃO DAS GAÚCHAS NAS CABINES DE AVIÃO

Quem são as gaúchas que estão desbravando o território masculino das cabines de avião.

A fragrância do 212 Carolina Herrera parte da cabine de comando do Let 410, indicando presença feminina no recinto. O aroma parte da pele clara de Kitty Trisch Knevitz, 23 anos, uma copiloto de madeixas loiras e olhos azuis.

Desde setembro de 2010, a gaúcha de Bom Jesus, com família radicada em Pelotas, voa pelos céus de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo em aeronaves de selo NHT. Senta à direita do comandante, auxiliando na operação do cérebro do Let 410, apto a receber 19 passageiros. Maquiada, unhas vermelhas, perfumada, Kitty confere feminilidade a um ambiente predominantemente masculino. Das 14 mil licenças emitidas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), apenas 7,5% são para mulheres – 937 pilotos e 115 copilotos. Na NHT, Kitty é a única.
– Os passageiros costumam achar que sou a comissária de bordo – graceja.

A aviadora faz parte de um time de gaúchas que labutam em cabines de comando pelo país. Nas andanças por aeroportos, a vaidade é o meio de quebrar a linha masculina do vestuário, ditada por camisas, calças e sapatos sociais. No inverno, a copiloto ainda adota o blazer e a gravata.

– Não abro mão de andar bem arrumada. Só não adianta estar enfeitada e não saber executar os comandos no avião – defende a loira, que se enamorou pela vida nos ares em 2005.

Aos 17 anos, Kitty desistiu do Direito, trocou Pelotas por Porto Alegre e, em quatro meses, já era comissária de bordo. Entre Caxias do Sul e Eldorado do Sul, a troca de trabalho em aeroclubes por horas de voo ajudou a custear a formação de piloto, concluída em 2008. Habilitada, a gaúcha testou sua paciência. No ano passado, antes de ingressar na NHT, topou uma vaga de comissária. Passou a “morar na mala”, onde acomoda roupas, cosméticos, carteira, pertences. Tudo adquirido em dose dupla.

– Se compro um creme, é um para casa e outro para a mala. É o jeito de lidar com as viagens – explica Kitty, que, a cada semana, dorme em média apenas dois dias em seu apartamento em Porto Alegre.

Na agenda de voos, de mala em punho, a copiloto pode ser vista em aeroportos de capitais, mas também do interior gaúcho, como Santa Maria, Uruguaiana, Passo Fundo, Rio Grande e Pelotas, paradas que já lhe concederam 600 horas de voo. Em mais um ano e meio, Kitty espera ter quilometragem para ser uma comandante – atenta e detalhista, como prega a cartilha feminina:
– Nas brincadeiras, dizem que aviação é coisa de homem. Discordo. Mulher é cuidadosa, cautelosa. O avião precisa descer suave, tocar o chão com a delicadeza de uma mulher.

CARREIRA
Persistência e malabarismo no ar
Com 7 mil horas de voo na carreira, a pelotense Luciana Carpena, 43 anos, ocupa o assento da esquerda na cabine, comandando o turboélice da Trip Linhas Aéreas. Há duas décadas nos ares, a carreira é fruto de um flerte inesperado. Aos 18 anos, acompanhou o tio, piloto de jato, em um voo de Pelotas a São Paulo. Apaixonou-se e abriu a rota até se tornar a Comandante Carpena. Em relação aos pilotos, só pede o mesmo tratamento:
– Minha responsabilidade em levar com segurança os passageiros é a mesma de um homem. Se eu assumir a aeronave e cumprir a missão, está ótimo.

Copiloto da Azul Linhas Aéreas Brasileiras, Caroline Damé da Silva, 29 anos, aprendeu a lidar com o que considera um preconceito velado.

– Temos que provar sempre que somos capazes de cumprir com as nossas obrigações. Muitos passageiros se surpreendem com uma mulher no comando, mas a surpresa é positiva, vem carregada de elogios – diz.
Natural de Encruzilhada do Sul, Caroline vive em São Paulo, assim como Luciana. As duas creditam o sucesso à persistência. Como os cursos são caros, trabalharam para ajudar nas despesas. Luciana ainda precisou se afastar duas vezes ao engravidar dos filhos, hoje com 16 e quatro anos:
– É questão de saúde da mãe e do bebê. Fiquei um ano sem voar em cada gravidez.
Casada com um comandante, Luciana vive em um jogo de folgas – quando ela descansa, o marido está no ar.
– É preciso fazer malabarismo para conciliar profissão e família – reconhece.

Asas à história
Biografia de pioneira da aviação no Brasil é contada em livro
A mulher é a rainha, mas o homem, profissionalmente, é mais capaz. Era o que Lucita Briza ouvia seu pai dizer em casa, quando se discutia o papel da mulher.
– E minha mãe respondia: mas a Ada é melhor do que a maioria dos pilotos.

Lucita se fez jornalista, construindo sua carreira em suplementos femininos e em política internacional, em veículos como Jornal da Tarde e O Estado de S.Paulo. Mas não poderia imaginar que, tantos anos após ouvir a defesa da mãe – também chamada Ada –, investigaria a fundo a vida da aviadora Ada Rogato, que morreu em 1986, aos 76 anos.

"Ada – Mulher, Pioneira, Aviadora" será lançado no final do mês pela C&R Editorial. Ada não foi a pioneira em obter um brevê, que conquistou em 1936, mas foi a primeira a pilotar um planador na América Latina. Na década de 1950, foi o primeiro piloto (homem ou mulher) brasileiro a sobrevoar os Andes com um avião de baixa potência, fez a primeira experiência de pulverização de lavoura de café com avião, foi a primeira paraquedista mulher e a pioneira ao voar, sozinha, mais de 51 mil quilômetros pelas três Américas, até o Alasca. Detalhe: sem rádio, com um avião de 90 cavalos, hoje doado à Aeronáutica. Este mês, a viagem comemora seu cinquentenário.

O trabalho de reportagem começou em 2005, com grande esforço para encontrar pessoas ligadas à aviadora, que nunca se casou, não teve filhos e rompera os laços familiares – seu pai, Guglielmo Rogato, imigrante italiano que se fez homem importante em Alagoas e tem até duas ruas com seu nome, quis impedir a carreira.

Lucita só conseguiu se aproximar mais da vida de Ada ao encontrar Neide Bibiano, amiga que amparou a aviadora até a morte, de câncer no útero. Lucita também viajou para Uruguai, Argentina e Chile para entrevistar pessoas que tiveram contato com Ada.

– Depois da morte dela, esse esquecimento brutal. Eu não me conformava. Eu sempre quis escrever um livro sobre uma mulher à frente do seu tempo – conta a jornalista.
Agora, Lucita corrigiu essa lacuna histórica, num livro de 300 páginas.

Caroline Damé da Silva - 29 anos de idade - naturalidade: Encruzilhada do Sul
função: copiloto - Companhia: Azul - Horas de voo: 4 mil


Luciana Carpena - 43 anos de idade - naturalidade: Pelotas
Função: piloto - Companhia: Trip - Horas de voo: 7 mil


Kitty Trish Knevitz - 23 anos de idade - naturalidade: Bom Jesus
Função: copiloto - Companhia: NHT - Horas de voo: 600




fonte/foto/ZHora/CRadar


Enhanced by Zemanta

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RASANTE EM TERESINA