O REBELDE DA AVIAÇÃO
Ele não usa terno, deixou o cabelo crescer e estimula os comissários a cantar a bordo das aeronaves. Com um estilo irreverente, o executivo Wagner Ferreira, presidente da Webjet,precisa fazer com que a companhia aérea finalmente dê lucro.
Ferreira, da Webjet: venda de passagens por carnê para atrair a classe C
Na tarde do dia 29 de novembro, os passageiros do voo 9743 da Webjet que voltavam de Salvador para São Paulo foram surpreendidos pela mensagem de um dos tripulantes da aeronave. O comissário Ronald Pennaforte, que normalmente aciona o sistema de comunicação interna do avião para avisar sobre as condições do tempo, serviços de bordo ou eventuais atrasos, decidiu usar o "microfone" para cantarolar uma de suas recentes composições - Pennaforte, um paulista de 38 anos, foi finalista na competição que escolheu o samba enredo da escola União da Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, para o Carnaval do ano que vem. Tão logo a música começou, o avião foi tomado por um clima de euforia, com passageiros batendo palmas e batucando nas poltronas. Detalhe: ao contrário do que se poderia imaginar, não se tratava de um voo fretado cheio de turistas retornando das férias - mas de um time de altos executivos recém-saídos de um evento na Ilha de Itaparica.
A cantoria por parte da tripulação (para desespero de alguns passageiros) tem se tornado expediente comum na Webjet, terceira maior companhia aérea do país, com faturamento estimado em 540 milhões de reais para 2009. Além de Pennaforte, outros dez funcionários costumam soltar a voz durante os voos. A iniciativa é estimulada pelo próprio presidente da empresa, Wagner Ferreira, no cargo há um ano. Aos 52 anos de idade, o ex-vice-presidente comercial da TAM tem se esforçado para criar uma identidade própria para a companhia - mais descontraída e jovial do que a tradicionalmente adotada pelas concorrentes.
Ele mesmo tem dado o exemplo: aposentou o habitual paletó escuro, deixou o cabelo crescer e passou a organizar happy hours com os funcionários nas vizinhanças da sede da Webjet, no bairro carioca da Barra da Tijuca. Aos diretores, sugeriu que adotassem a mesma estratégia. "Quero criar uma companhia diferente das outras, mais irreverente", diz Ferreira. "Com isso, vamos conseguir atrair mais clientes e sair do vermelho em 2010."
Num setor competitivo e de margens tão apertadas como o de aviação, aumentar a lucratividade geralmente significa apertar - e muito - os cintos. É exatamente a essa tarefa que Ferreira tem se dedicado desde o início do ano. Ele renegociou todos os contratos da Webjet com empresas de leasing, seguradoras e fornecedores de peças e combustível e diminuiu de 97 para 77 o número de funcionários por aeronave. Além disso, cada avião da companhia passou a voar quase 1 hora a mais por dia.
Numa manifestação claramente simbólica dos novos tempos, Ferreira extinguiu o cargo de secretária e o serviço de café oferecido aos executivos. Até o final do ano, outras duas medidas deverão ajudar a Webjet a cortar ainda mais sua estrutura de custos. O serviço de bordo, hoje composto de sanduíches e sobremesas, será substituído por um modesto pacote de biscoitos acompanhado de um salgadinho industrializado - o que deve gerar uma economia de 12 milhões de reais por ano. Cada aeronave ganhará 12 assentos extras, um aumento de capacidade equivalente à adição de quase dois Boeing 737-300 à frota, que fechará o ano com 20 aviões. "Isso nos permite vender passagens até 12% mais baratas que a Gol e a TAM", diz Ferreira.
Cortar custos e aumentar a eficiência são medidas óbvias na tentativa de aumentar as margens - tanto é assim que várias empresas aéreas do Brasil e o mundo as adotaram em algum momento. Mas, se quiser fazer com que a Webjet ganhe dinheiro - algo que até agora não aconteceu - sem aumentar as tarifas, Ferreira precisará atrair mais público para seus aviões. Nesse sentido, seu principal foco será seduzir os consumidores emergentes.
Hoje, a classe C representa apenas 11% dos passageiros, embora seja quase metade da população brasileira. Com a queda no preço das passagens aéreas - um recente estudo elaborado pela consultoria Bain&Company mostra que nos últimos dez anos os valores caíram, em média, 34% -, os executivos da Webjet (assim como todos os seus concorrentes) acreditam que cada vez mais os consumidores da classe C deverão viajar de avião. Para chegar mais perto desse público, a Webjet associou-se no início de setembro a uma empresa chamada Vai Voando, especializada na venda de tíquetes porta a porta. Até fevereiro, 150 vendedores percorrerão bairros da zona leste de São Paulo e de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, oferecendo aos consumidores uma espécie de carnê-avião. Após quitar até 12 prestações, o cliente passa a ter o direito de viajar. "O carnê dispensa a análise de crédito, principal empecilho ao acesso da classe C a esse tipo de serviço", afirma Ralph Fuchs, presidente da Vai Voando.
A tentativa da Webjet de se firmar como um modelo de companhia aérea de baixo custo remonta à sua fundação. Criada em 2005 pelo advogado Rogério Ottoni, a empresa iniciou suas operações com um único avião e inovou ao oferecer um preço único de tarifas, extinguir as classes nos aviões e vender passagens somente pela internet. A iniciativa, porém, teve vida curta. A Webjet interrompeu as atividades apenas seis meses após a estreia, sufocada por uma sangrenta guerra de preços deflagrada por Gol, TAM, e Varig. Sem dinheiro e com o avião parado durante três meses, a companhia foi vendida por uma bagatela para uma sociedade formada pelo grupo Águia, dono de diversas agências de turismo, e pelo empresário carioca Jacob Barata. Um segundo avião foi adquirido - mas depois disso os investimentos cessaram.
Em 2007, a Webjet foi comprada pelo empresário Guilherme Paulus, dono da CVC, a maior rede de agências de turismo do país, por 45 milhões de reais. Desde então, foram compradas 18 aeronaves, todas de segunda mão de companhias com sede em países como China, Polônia e Indonésia. Com isso, o faturamento da empresa e sua participação de mercado dobraram no último ano. Atualmente, a Webjet conta com uma participação de 4,3% dos voos domésticos.
Na terceira tentativa de fazer a Webjet decolar, Ferreira tem pela frente um enorme e vital desafio: ganhar dinheiro. De 2007 para cá, a Webjet já consumiu cerca de 120 milhões de reais em investimentos, mas continua operando no vermelho. Em parte isso se deve ao fato de que o modelo de baixo custo e baixa tarifa - adotado por companhias como a irlandesa Ryanair e a americana Southwest - encontra sérias dificuldades para ser colocado em prática no Brasil. A começar pela carga tributária. Aqui, os impostos representam 32% da receita de uma companhia aérea, ao passo que nos Estados Unidos, por exemplo, esse valor não passa de 23%.
Além disso, boa parte da economia dessas empresas está na possibilidade de operar em aeroportos secundários, distantes dos grandes centros, e com taxas de operação mais baixas. No Brasil, pelas regras da Infraero, esse tipo de diferenciação praticamente não existe. "Por causa disso, ascompanhias brasileiras preferem disputar os mesmos aeroportos, competindo pelos mesmos consumidores", diz um executivo do setor. Até a empresa mais bem-sucedida nesse modelo no Brasil, a Gol, teve de fazer algumas concessões, como incluir escalas nas rotas para encher os voos. "Vamos entrar no azul e já pensamos em atrair um sócio", diz Ferreira. Sem isso, a Webjet precisará de mais do que cantoria para sustentar o seu crescimento.
fonte/Portal Exame foto/Marcelo Correa
A cantoria por parte da tripulação (para desespero de alguns passageiros) tem se tornado expediente comum na Webjet, terceira maior companhia aérea do país, com faturamento estimado em 540 milhões de reais para 2009. Além de Pennaforte, outros dez funcionários costumam soltar a voz durante os voos. A iniciativa é estimulada pelo próprio presidente da empresa, Wagner Ferreira, no cargo há um ano. Aos 52 anos de idade, o ex-vice-presidente comercial da TAM tem se esforçado para criar uma identidade própria para a companhia - mais descontraída e jovial do que a tradicionalmente adotada pelas concorrentes.
Ele mesmo tem dado o exemplo: aposentou o habitual paletó escuro, deixou o cabelo crescer e passou a organizar happy hours com os funcionários nas vizinhanças da sede da Webjet, no bairro carioca da Barra da Tijuca. Aos diretores, sugeriu que adotassem a mesma estratégia. "Quero criar uma companhia diferente das outras, mais irreverente", diz Ferreira. "Com isso, vamos conseguir atrair mais clientes e sair do vermelho em 2010."
Num setor competitivo e de margens tão apertadas como o de aviação, aumentar a lucratividade geralmente significa apertar - e muito - os cintos. É exatamente a essa tarefa que Ferreira tem se dedicado desde o início do ano. Ele renegociou todos os contratos da Webjet com empresas de leasing, seguradoras e fornecedores de peças e combustível e diminuiu de 97 para 77 o número de funcionários por aeronave. Além disso, cada avião da companhia passou a voar quase 1 hora a mais por dia.
Numa manifestação claramente simbólica dos novos tempos, Ferreira extinguiu o cargo de secretária e o serviço de café oferecido aos executivos. Até o final do ano, outras duas medidas deverão ajudar a Webjet a cortar ainda mais sua estrutura de custos. O serviço de bordo, hoje composto de sanduíches e sobremesas, será substituído por um modesto pacote de biscoitos acompanhado de um salgadinho industrializado - o que deve gerar uma economia de 12 milhões de reais por ano. Cada aeronave ganhará 12 assentos extras, um aumento de capacidade equivalente à adição de quase dois Boeing 737-300 à frota, que fechará o ano com 20 aviões. "Isso nos permite vender passagens até 12% mais baratas que a Gol e a TAM", diz Ferreira.
Cortar custos e aumentar a eficiência são medidas óbvias na tentativa de aumentar as margens - tanto é assim que várias empresas aéreas do Brasil e o mundo as adotaram em algum momento. Mas, se quiser fazer com que a Webjet ganhe dinheiro - algo que até agora não aconteceu - sem aumentar as tarifas, Ferreira precisará atrair mais público para seus aviões. Nesse sentido, seu principal foco será seduzir os consumidores emergentes.
Hoje, a classe C representa apenas 11% dos passageiros, embora seja quase metade da população brasileira. Com a queda no preço das passagens aéreas - um recente estudo elaborado pela consultoria Bain&Company mostra que nos últimos dez anos os valores caíram, em média, 34% -, os executivos da Webjet (assim como todos os seus concorrentes) acreditam que cada vez mais os consumidores da classe C deverão viajar de avião. Para chegar mais perto desse público, a Webjet associou-se no início de setembro a uma empresa chamada Vai Voando, especializada na venda de tíquetes porta a porta. Até fevereiro, 150 vendedores percorrerão bairros da zona leste de São Paulo e de Duque de Caxias, na região metropolitana do Rio de Janeiro, oferecendo aos consumidores uma espécie de carnê-avião. Após quitar até 12 prestações, o cliente passa a ter o direito de viajar. "O carnê dispensa a análise de crédito, principal empecilho ao acesso da classe C a esse tipo de serviço", afirma Ralph Fuchs, presidente da Vai Voando.
A tentativa da Webjet de se firmar como um modelo de companhia aérea de baixo custo remonta à sua fundação. Criada em 2005 pelo advogado Rogério Ottoni, a empresa iniciou suas operações com um único avião e inovou ao oferecer um preço único de tarifas, extinguir as classes nos aviões e vender passagens somente pela internet. A iniciativa, porém, teve vida curta. A Webjet interrompeu as atividades apenas seis meses após a estreia, sufocada por uma sangrenta guerra de preços deflagrada por Gol, TAM, e Varig. Sem dinheiro e com o avião parado durante três meses, a companhia foi vendida por uma bagatela para uma sociedade formada pelo grupo Águia, dono de diversas agências de turismo, e pelo empresário carioca Jacob Barata. Um segundo avião foi adquirido - mas depois disso os investimentos cessaram.
Em 2007, a Webjet foi comprada pelo empresário Guilherme Paulus, dono da CVC, a maior rede de agências de turismo do país, por 45 milhões de reais. Desde então, foram compradas 18 aeronaves, todas de segunda mão de companhias com sede em países como China, Polônia e Indonésia. Com isso, o faturamento da empresa e sua participação de mercado dobraram no último ano. Atualmente, a Webjet conta com uma participação de 4,3% dos voos domésticos.
Na terceira tentativa de fazer a Webjet decolar, Ferreira tem pela frente um enorme e vital desafio: ganhar dinheiro. De 2007 para cá, a Webjet já consumiu cerca de 120 milhões de reais em investimentos, mas continua operando no vermelho. Em parte isso se deve ao fato de que o modelo de baixo custo e baixa tarifa - adotado por companhias como a irlandesa Ryanair e a americana Southwest - encontra sérias dificuldades para ser colocado em prática no Brasil. A começar pela carga tributária. Aqui, os impostos representam 32% da receita de uma companhia aérea, ao passo que nos Estados Unidos, por exemplo, esse valor não passa de 23%.
Além disso, boa parte da economia dessas empresas está na possibilidade de operar em aeroportos secundários, distantes dos grandes centros, e com taxas de operação mais baixas. No Brasil, pelas regras da Infraero, esse tipo de diferenciação praticamente não existe. "Por causa disso, ascompanhias brasileiras preferem disputar os mesmos aeroportos, competindo pelos mesmos consumidores", diz um executivo do setor. Até a empresa mais bem-sucedida nesse modelo no Brasil, a Gol, teve de fazer algumas concessões, como incluir escalas nas rotas para encher os voos. "Vamos entrar no azul e já pensamos em atrair um sócio", diz Ferreira. Sem isso, a Webjet precisará de mais do que cantoria para sustentar o seu crescimento.
fonte/Portal Exame foto/Marcelo Correa
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